terça-feira, 17 de maio de 2011
Patricia Araujo - entrevista
Maior elogio recebido.
De uma senhora, no elevador. Ela me olhou com um sorriso puro e disse que eu era uma das mulheres mais bonitas que já havia visto. Não contente, ainda disse que eu arrasaria a Raica, modelo, nas passarelas. Elogio de homem não tem valor.
Verdade que travesti é basicamente procurado basicamente por homens que se dizem heterossexuais?
Procuram por uma mulher com algo mais. São curiosos e sentem prazer com sexo anal. Talvez os traços femininos os deixem mais excitados ou menos constrangidos. Todos dizem que esta é a primeira vez que procuram um travesti [ri]. A gente sabe que é mentira, mas finge que acredita para deixá-los mais à vontade. Tem um que toda semana me diz que é a última vez que vem transar comigo. Coitado! Sente-se culpado por ser casado, ter filhos e sentir prazer em ser comido por um travesti.
Explique para os leigos: qual a diferença entre gay, travesti e transexual?
O gay é um homossexual que não tem o desejo de transformar-se fisicamente. Simplesmente se sente atraído por pessoas do mesmo sexo. O travesti busca ressaltar a sua incontrolável feminilidade e, apesar de esconder o pênis, não abre mão dele. É através do pênis que o travesti sente prazer, atinge o orgasmo. O transexual é o travesti depois da cirurgia de troca de sexo.
Quanto você cobra, em média, por programa?
Cobro 500 reais por uma hora. Sem beijo na boca e sem ter a obrigação de gozar. Se eu não estiver inspirada, esta hora se resolve-se em menos de 15 minutos. Eles normalmente já chegam tão excitados que atingem o orgasmo antes do tempo [ela sorri com merecido deboche].
Se não tivesse que fazer programas, faria o que? Tem ou já teve vontade de seguir alguma carreira?
Meu sonho sempre foi ser modelo ou veterinária. Sou louca por animais. Hoje, sonho em ser atriz.
Você pretende fazer a cirurgia de troca de sexo?
Morro de medo. É uma decisão difícil. Conheço várias que perderam a sensibilidade depois da cirurgia e não conseguem mais sentir prazer. Isso sim é aterrorizante. Talvez, para as mulheres seja mais fácil aceitar a vida sem orgasmo. Mas, para quem é homem, isso é inconcebível.
Por que o travesti precisa ter um pau que funcione?
Porque sentimos prazer, ou seja, atingimos o orgasmo através do pau e porque os homens nos procuram por isso. Não somos passivas. Somos ativas.
O que você tem a dizer para aqueles que têm dificuldade em aceitar que vocês existem?
Somos todos seres humanos. Respeitem as diferenças. Elas fazem parte deste mundo cheio de contradições. O que vendo é meu corpo, nunca minha alma. E isso liberta.’ Ainda assim, confessa que quer parar. ‘É meu sonho, assim que fizer um pé-de-meia bom. Chego lá!’, diz isso e ri. Mas a alegria contagiantemente carioca camufla algumas angústias, que ela vai revelando aos poucos. ‘A minha maior aflição é saber que represento sexo. Ninguém me pergunta se eu li tal livro, ninguém quer bater papo ou ir ao cinema. Sou sinônimo de sexo e isso me deixa carente por um tipo de amor que não esteja vinculado a sexo ou a dinheiro.’ Quando percebe que o papo está ficando cinza, dá a guinada: ‘Por isso, se alguém me leva para tomar uma água de coco na praia e passeia pelo calçadão comigo, leva também meu coração’, ri, debochada.
Agora sim, a trajetória, a travessia, a pedreira que Felipe enfrentou para chegar a Patrícia. Tem que ser muito macho para ser travesti. Saí da casa dela com esta certeza. E olha que minhas certezas foram quase todas pro brejo naquele dia.
Patrícia descobriu que gostava de meninos com 12 anos, quando um menino da escola, André, lhe pediu um beijo. Ela conta que sempre foi muito feminina e chamava mais a atenção dos meninos do que das meninas na escola e na rua. Tal fato intrigava a orientadora da escola, que vivia chamando Patrícia para conversar. “Eu tinha medo de confessar”, diz ela, como se fosse pecado. “Mas, achei que a intenção da orientadora era me ajudar.”. Aos 13, quando assumiu suas preferências sexuais para a tal orientadora, foi expulsa da escola. “Foi um trauma, maior discriminação já sofrida. Uma facada nas costas. Aquele tipo de coisa que não se esquece jamais”, diz.
Conversou com os pais, assumiu sua homossexualidade e foi integralmente apoiada pelateve apoio integral da família. “A primeira reação do meu irmão mais velho não foi das melhores. Mas, me lembro como se fosse hoje. Meu pai calou a boca dele num segundo, dizendo que eu era filha dele e, que independente das minhas preferências sexuais, ele me apoiaria, sempre”. E, foi exatamente isso que Severino e Terezinha fizeram. Abraçaram o filho caçula e fizeram dele ou dela uma pessoa forte e preparada para lidar com a crueldade de um mundo preconceituoso.
“Minha família me trata com respeito e carinho, tenho um excelente relacionamento com meus irmãos, tanto com o mais velho, Adalberto, como com Maria Cristina, a do meio”. “Sou louca pelos meus dois sobrinhos”, diz ela. E, como toda tia coruja, imediatamente me arrastou para a frente do seu note book para mostrar as fotos dos meninos.
Com orgulho e gratidão, Patrícia afirma que o apoio deles foi fundamental para que ela não se “perdesse” na vida. “Um porto seguro é tudo que alguém precisa nessa vida”, diz. Patrícia nasceu na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, no dia 11 de março de 1982. Até hoje, vive por lá, com seus pais, Terezinha e Severino, numa casa que ela diz ser maravilhosa. O apartamento em Copacabana é o que ela chama de privé, usado exclusivamente para o atender seus clientes.
Com 13 anos, Patrícia começou a tomar hormônios. Que hormônios? Pílula anticoncepcional e nada mais. “Eu nunca tive muitos pêlos pelos pelo corpo. Nunca tive barba nem gogó”, diz. Há quem pense que o pênis do travesti é atrofiado por causa do excesso de hormônios. Pura ilusão. O pênis de Patrícia, por exemplo, mede 21 cm e ela se orgulha do dote. É seu instrumento de trabalho e sua fonte de prazer. E, pelo que diz a bela, os homens buscam travestis com pênis robustos. Como o sexo, com clientes, é mecânico, ela busca satisfazer-se sexualmente através da masturbação e de relacionamentos afetivos que não envolvam dinheiro. Sim, Patrícia se masturba e, como qualquer outro ser humano, se apaixona.
Começou a se prostituir com 18 anos, quando voltou de São Paulo, após romper um casamento de três anos. “Me casei com 15 anos. Era nova demais e fiquei deslumbrada. Meu marido era mais velho, tinha 40 anos, era apaixonado e ciumento”, conta. “Mas, me apoiou muito. Chegou até a ajudar a minha família”. Foi em São Paulo, patrocinada por ele, que Patrícia fez suas duas cirurgias plásticas. Nariz e silicone nos seios. Ela conta que se acostumou com a boa vida e que, ao se separar do marido, encontrou na prostituição a forma de pagar suas contas e tentar manter seu padrão de vida.
Patrícia cuida muito bem de sua saúde. Não abre mão do uso da camisinha e vai ao médico com frequência. “Tenho uma médica, clínica geral, que me acompanha desde 2002. Confio muito nela”.
Convidada por clientes que ela carinhosamente chama de namoradinhos, Patrícia já foi a Paris, Milão, Beirute e Londres. “Um deles era xeique árabe”, conta. “Aliás, foi ele quem me deu meu primeiro apartamento”, diz.
O psicanalista Sérgio Zaidhaft, especializado no atendimento a transexuais [homens que concretizam a mudança de sexo, extirpando o pênis], atribui a exclusão do travesti do mercado de trabalho “à nossa dificuldade em conviver com alguém que questione os costumes”. Segundo Zaidhaft, o travesti fascina e assusta por ser “a explicitação da ambivalência que todos nós temos”. Ele conta que, não raro, transexuais que concretizam a mudança de sexo acabam sendo abandonados por seus parceiros. O travesti, não. Para o psicanalista, o travesti é uma fantasia manipulável, “que se torna mulher sem abrir mão de ser homem”.
Que a nossa sociedade é preconceituosa, todo mundo sabe. Que o mercado de trabalho é concorrido, também. E poucas pessoas conhecem tão bem essa realidade como as travestis, que enfrentam um mercado de trabalho concorrido com as chagas do preconceito. As travestis que procuram trabalho no mercado formal devem saber de saída que dificilmente ganharão tão bem e tanto como no mercado informal em que boa parte está inserida. Mas ao menos isto não vale somente para as travestis, já que a prostituição também rende muito mais para os homens e mulheres não transgêneros que se prostituem.
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